O Senado da Itália deve votar nesta quinta-feira (15) um decreto-lei que pode mudar as regras de obtenção da cidadania italiana, afetando milhões de descendentes ao redor do mundo — especialmente no Brasil. As mudanças restringem o acesso que antes era considerado um dos mais flexíveis da Europa.
Rafael Gianesini, CEO da Cidadania4u, uma empresa especializada em cidadania europeia da América Latina, explica que as novas regras limitam concessão do documento a descendentes de pais e avós, impactando cerca de 95% dos brasileiros que buscam o direito.
“Agora mudaram para somente filho e neto de italiano que tenha ou teve até a sua morte somente a cidadania italiana, ou seja, ele não podia ter se naturalizado ou ter uma dupla nacionalidade, ele deve ter exclusivamente cidadania italiana”, afirma.
O especialista acrescenta que “o uso da palavra ‘exclusivamente’, limita praticamente 95% dos brasileiros que não vão ter mais direito à cidadania italiana”.
Contudo, Gianesini esclarece que quem entrou na justiça até o dia 27 de março — dia anterior do anúncio das mudanças — ou quem estava na fila, foi convocado e entregou a documentação até 27 de março não será afetado pelas mudanças e contará a regra anterior.
As medidas já estão em vigor de forma provisória e aguardam aprovação definitiva.
Gianesini explica que o decreto-lei segue em trâmite: nesta quinta-feira (15), pode ser votado por uma comissão de senadores. Se aprovado, seguirá para o plenário do Senado e, depois, para a Câmara dos Deputados. O governo italiano tem até o dia 27 de maio para concluir o processo legislativo. Caso contrário, o texto perde validade.
“O governo está usando um dispositivo legal destinado a situações de emergência, como pandemias, para aprovar essa mudança. Isso já é contestado pela oposição, que também considera o decreto inconstitucional. Mas a expectativa de reversão é mínima, porque o governo tem maioria”, acrescenta Gianesini.
Contudo, o CEO afirma que o texto do decreto-lei passou por modificações de emendas significativas e o prazo inicial para votação era em 8 de maio, o que mostra a contestação em relação ao projeto.
Para Gianesini, o decreto é inconstitucional, pois atinge retroativamente um direito que deveria ser reconhecido desde o nascimento. “Quando a gente reconhece a cidadania, a gente reconhece desde o dia que a pessoa nasceu. Não pode haver uma lei que retroaja e anule esse direito. Isso já foi apontado por vários constitucionalistas italianos”, ele defende.
Além disso, a nova regra também afeta diretamente pessoas que estavam há anos na fila para o reconhecimento. “Imagina esperar 10 anos e não ter sido convocado a tempo. Agora, essas pessoas não poderão mais entregar a documentação e terão que judicializar. Isso vai gerar um colapso no sistema judiciário italiano”, alerta o CEO.
Gianesini explica que existiam três formas de obter a cidadania italiana:
Contudo, outra proposta que acompanha a reforma é a centralização do reconhecimento da cidadania italiana em um único órgão, substituindo os consulados que hoje fazem parte do processo.
Segundo ele, a única via que restará para a maioria será a judicial. “A via administrativa deixa de ser uma opção para 95% das pessoas. Todo mundo vai ter que entrar na justiça. E o sistema não está preparado para isso”, afirma.
“Esse processo judicial, que em 2020 durava cerca de 10 meses, hoje, em 2025, já leva em média 3 anos. E com as novas regras, ele será a única opção para quase todos”, acrescenta Gianesini.
O crescimento expressivo da busca pela cidadania reflete-se nos números:
As novas diretrizes, foram anunciadas pelo ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani, no dia 28 de março.
Tajani disse que o sistema estava sendo abusado, com possíveis italianos inundando consulados no exterior para solicitações de passaportes, que fornecem entrada sem visto para mais países do que quase qualquer outra nacionalidade.
“Ser cidadão italiano é algo sério. Não é um jogo obter um passaporte que permita fazer compras em Miami”, disse Tajani em uma entrevista coletiva.
O consulado italiano afirmou em um comunicado que “o objetivo das medidas adotadas é valorizar o vínculo efetivo entre a Itália e o cidadão residente no exterior”.