Há mais de 400 anos, marinheiros relatam um fenômeno misterioso em que o oceano parece brilhar até onde a vista alcança.
“O mar, de horizonte a horizonte em todas as direções, adquiriu um brilho fosforescente… a lua havia acabado de se pôr e todo o mar estava vários tons mais claro que o céu”, escreveu J. Brunskill, oficial a bordo do navio SS Ixion, que navegou pelo Mar da Arábia em 1967.
Quase 10 anos depois, outra tripulação, a bordo do navio MV Westmorland, vivenciou um evento semelhante na mesma região. De acordo com o capitão P. W. Price, o navio atravessava uma “grande área de bioluminescência”.
“O mar… brilhava em um verde intenso e luminoso. Tão brilhante, na verdade, que não era possível distinguir as cristas das ondas nem o movimento do mar — tudo parecia uma superfície perfeitamente plana”, escreveu ele em uma carta de 1976.
Esses eventos, apelidados de “mares leitosos” pelos marinheiros que tiveram a sorte de presenciá-los, têm sido notoriamente difíceis de estudar, devido à raridade e ao fato de ocorrerem em regiões remotas do oceano, onde poucos humanos estão presentes para observá-los.
Agora, cientistas que buscam investigar mais profundamente esses fenômenos peculiares estão um passo mais perto de prever quando e onde essas misteriosas exibições de bioluminescência ocorrerão.
Justin Hudson, doutorando no departamento de ciências atmosféricas da Colorado State University, compilou mais de 400 relatos conhecidos de “mares leitosos” — incluindo os de Brunskill e Price — para criar um novo banco de dados que poderá, no futuro, ajudar pesquisadores a posicionar uma embarcação científica no local de um desses eventos, segundo estudo publicado nesta quarta-feira na revista *Earth and Space Science*.
“Minha esperança é que, com esse banco de dados, mais pessoas possam começar a estudar os ‘mares leitosos’ e a desvendar esse mistério que existe há séculos,” disse Hudson, autor principal da nova pesquisa.
Ele acrescentou que estudos mais aprofundados sobre os “mares leitosos” podem ajudar a responder muitas das perguntas que ainda permanecem sobre o fenômeno, como por que eles acontecem e o que podem significar para a vida marinha.
“Os mares leitosos podem ser um sinal de algo como um ecossistema muito bom e saudável. Podem ser um sinal de um ecossistema em desequilíbrio — e simplesmente não sabemos”, disse ele.
“E, ao conseguirmos prever quando e onde eles vão acontecer, podemos começar a responder essas perguntas sobre onde esse fenômeno se encaixa em todo o nosso sistema terrestre global e interconectado.”
Observadores costumam descrever os “mares leitosos” como semelhantes, em cor, às estrelas que brilham no escuro e são coladas no teto dos quartos infantis.
O brilho emitido por esse fenômeno já foi considerado, por marinheiros, forte o bastante para permitir a leitura — um contraste marcante com a escuridão típica do oceano quando não há sol ou luar.
Esses eventos, que podem durar meses, chegam a se estender por até 100 mil quilômetros quadrados, e os maiores já foram detectados do espaço, segundo o estudo.
Embora os cientistas ainda não saibam exatamente por que esse brilho raro ocorre, a hipótese mais aceita é de que seja um subproduto da alta concentração de bactérias bioluminescentes microscópicas chamadas Vibrio harveyi.
Essa teoria se baseia em um encontro casual ocorrido em 1985, quando uma embarcação de pesquisa coletou e analisou uma amostra de água durante um evento de “mar leitoso”.
“Mas, fora isso, as condições que levam à formação do fenômeno e como ele faz com que o oceano inteiro brilhe dessa forma ainda são amplamente desconhecidas,” disse o Dr. Steven Miller, coautor do estudo e professor do departamento de ciências atmosféricas da Colorado State University.
Miller, que estuda o fenômeno há décadas, foi o autor principal de uma pesquisa publicada em 2021 que revelou que os maiores “mares leitosos” podem ser detectados por satélites.
Após compilar todos os registros conhecidos de avistamentos de “mares leitosos” — incluindo relatos históricos de marinheiros e dados de satélite —, os autores do estudo identificaram algumas tendências relacionadas a esses misteriosos eventos no mar: os “mares leitosos” aparecem principalmente no Mar da Arábia e nas águas do Sudeste Asiático, e podem ser influenciados por certos fenômenos climáticos globais, como o Dipolo do Oceano Índico e o El Niño-Oscilação Sul, explicou Hudson.
As regiões onde esses fenômenos ocorrem com mais frequência tendem a registrar surgimento de ressurgência oceânica — quando águas frias e ricas em nutrientes, vindas das profundezas do oceano, sobem à superfície impulsionadas por ventos fortes.