As calotas de gelo do mundo estão a caminho de um derretimento descontrolado, levando a uma elevação do nível do mar de vários metros e a uma migração “catastrófica” das zonas costeiras, mesmo que o mundo consiga o milagre de manter o aquecimento global dentro de 1,5 ºC, segundo uma nova pesquisa publicada nesta terça-feira (20) na revista Communications Earth and Environment.
Um grupo de cientistas internacionais se propôs a estabelecer qual seria o “limite seguro” de aquecimento para a sobrevivência das calotas de gelo da Groenlândia e da Antártida. Eles analisaram estudos que utilizaram dados de satélites, modelos climáticos e evidências do passado, como núcleos de gelo, sedimentos marinhos profundos e até DNA de polvo.
O mundo prometeu restringir o aquecimento global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais para evitar os impactos mais catastróficos das mudanças climáticas.
No entanto, não apenas esse limite está ficando fora de alcance — o mundo está atualmente no caminho para até 2,9 ºC de aquecimento até 2100. Mas a descoberta mais preocupante do estudo é que 1,5 ºC talvez nem seja suficiente para salvar as calotas de gelo.
Mesmo que o mundo mantenha o nível atual de aquecimento, de 1,2 ºC, isso ainda pode desencadear um rápido recuo das calotas de gelo e uma elevação catastrófica do nível do mar, descobriram os cientistas.
Juntas, as calotas de gelo da Groenlândia e da Antártida contêm água doce suficiente para elevar o nível global dos oceanos em cerca de 65 metros — um cenário improvável, mas que deve ser reconhecido para compreender plenamente o risco.
Desde a década de 1990, a quantidade de gelo perdido por essas calotas quadruplicou; atualmente, elas estão perdendo cerca de 370 bilhões de toneladas por ano. O derretimento das calotas de gelo é o principal responsável pela elevação dos mares, e a taxa de aumento anual do nível do mar dobrou nos últimos 30 anos. E a tendência é piorar.
Vários estudos sugerem que 1,5 ºC de aquecimento é “muito alto” para evitar o rápido recuo das calotas de gelo, um processo que seria irreversível na escala de tempo humana, e que o mundo deve se preparar para metros de elevação do nível do mar nos próximos séculos, de acordo com o estudo.
“Você não desacelera a elevação do nível do mar com 1,5 ºC, na verdade, você vê uma aceleração bastante rápida”, afirma Chris Stokes, autor do estudo e glaciologista da Universidade de Durham.
Trata-se de uma ameaça existencial para as populações costeiras do mundo. Cerca de 230 milhões de pessoas vivem a menos de 1 metro acima do nível do mar. Mesmo pequenas mudanças na quantidade de gelo contida nas calotas “alterarão profundamente” as linhas costeiras globais, deslocando centenas de milhões de pessoas e causando danos que ultrapassam os limites da adaptação, concluiu o estudo.
Os mares podem subir 1 centímetro por ano até o final do século, ainda dentro da vida das pessoas jovens de hoje, segundo os cientistas.
Nesse ritmo, o que equivale a 1 metro por século, “você verá uma migração terrestre em massa em uma escala que nunca testemunhamos desde o surgimento da civilização moderna”, diz Jonathan Bamber, coautor do estudo e glaciologista da Universidade de Bristol.
Ainda há grandes incertezas sobre onde estão os pontos de inflexão. As mudanças climáticas não ocorrem de forma linear e não está claro exatamente quando o aquecimento pode desencadear um recuo rápido e até o colapso.
O mais preocupante, segundo os autores do estudo, é que as melhores estimativas dos limites “seguros” de temperatura para preservar as calotas de gelo continuam diminuindo à medida que os cientistas compreendem melhor sua vulnerabilidade às mudanças climáticas.
Modelagens iniciais sugeriam que as temperaturas precisariam atingir cerca de 3 ºC de aquecimento para desestabilizar a calota de gelo da Groenlândia, por exemplo, mas estimativas recentes indicam que bastariam cerca de 1,5 ºC.
Evitar o colapso rápido de uma ou mais calotas de gelo exigiria limitar o aquecimento global a algo mais próximo de 1 ºC acima dos níveis pré-industriais, concluíram os autores do estudo.
Isso exigiria cortes drásticos na queima de combustíveis fósseis pelos humanos — algo que parece extremamente improvável, já que países como os Estados Unidos continuam apostando no petróleo, carvão e gás.
O mundo já está começando a vivenciar alguns dos piores cenários no que diz respeito à perda de gelo, afirmou Stokes.
“Há muito pouco que estamos observando que nos dê esperança aqui”, afirma. “O melhor cenário possível é que o aumento do nível do mar seja lento e constante”, acrescentou.
Os resultados não significam que o mundo deva desistir das metas climáticas, já que cada fração de grau de aquecimento representa impactos mais graves, segundo Stokes.