Há poucos técnicos de futebol no mundo com um currículo tão chamativo quanto o de Carlo Ancelotti, anunciado na segunda-feira (12) como novo técnico da Seleção Brasileira.
Dono de cinco taças da Champions League, além de títulos nacionais em todas as cinco principais ligas europeias, o italiano mostrou ao longo da carreira — iniciada ainda na metade da década de 1990 — facilidade para se adaptar às novas exigências de um esporte que está sempre em evolução.
E essa atenção às transformações do jogo já era algo que Ancelotti mostrava quando iniciou a trajetória fora dos gramados. Sua tese de conclusão do curso de treinadores da Federação Italiana, publicada em 1997, foi intitulada “O futuro do futebol? Mais dinamismo”.
Neste trabalho, o então jovem técnico faz uma crítica ao futebol da época, especialmente o jogado na Itália, e propõe ideias para torná-lo mais interessante aos olhos dos espectadores.
“Nos últimos anos, especialmente na Itália, tem sido dada muita atenção às táticas defensivas do jogo. Muitos treinadores têm passado a maior parte do seu tempo encontrando soluções cada vez mais eficazes para interromper e inibir as capacidades ofensivas dos seus adversários”, escreve Ancelotti logo na introdução.
Pupilo de Arrigo Sacchi, multicampeão pelo Milan e considerado um dos (poucos) técnicos italianos mais ofensivos, Ancelotti oferece um caminho que, na visão de muitos analistas, nortearia sua carreira vitoriosa: o equilíbrio.
Ao longo da tese, Ancelotti usa o esquema padrão 4-4-2 para exemplificar suas ideias e elabora sobre alguns aspectos que ele considera essenciais para a construção do jogo ofensivo:
“Quanto mais movimentos pudermos combinar, quanto mais jogadores pudermos fazer mover em sincronia, mais variado, imprevisível e imaginativo será nosso jogo ofensivo”, diz o treinador, que começou sua carreira na Reggiana.
A respeito das duplas que se formam em um 4-4-2, Carlo Ancelotti analisa o comportamento com e sem bola de três delas: a dupla de zagueiros, a dupla de meio-campistas centrais e os dois atacantes, com ênfase especial nos meias, talvez por seu passado como meio-campista da Roma, do Milan e da seleção italiana.
“No jogo moderno, o meia é considerado um dos pontos centrais de todo o coletivo, a ponto de seu desempenho muitas vezes determinar a vitória ou a derrota de um time. (…) O meio-campista deve ser preciso nos passes mesmo em espaços reduzidos, deve acelerar ou desacelerar o jogo dependendo da situação (eventualmente jogando com um ou dois toques), deve evitar qualquer drible. Enfim, deve ser o jogador que determina o ritmo da equipe e, às vezes, o ritmo do próprio jogo.”
O trabalho segue com alguns exercícios que Ancelotti para trabalhar a posse e as variações ofensivas, com ilustrações que mostram as movimentações da bola e dos jogadores.
Já na parte final da tese, o técnico dedica um subtítulo ao aspecto psicológico. A capacidade de gerir elencos é destacada por vários ex-comandados de Ancelotti, incluindo perfis tão diversos como Ibrahimovic e Kaká, como uma de suas principais qualidades.
“Acredito firmemente que, no futebol do futuro, teremos necessariamente que trilhar o caminho do jogo ofensivo para conseguir dar aos espectadores as emoções que se perdem por querer obter o resultado a todo custo”, escreve Carlo Ancelotti logo no primeiro parágrafo da conclusão de sua tese.
No comando da Seleção Brasileira, o italiano terá o desafio de aliar esses dois anseios do torcedor da equipe nacional: a busca por um jogo atraente e, principalmente, pelos resultados. Objetivos que conseguiu alcançar ao longo de sua trajetória nos mais diferentes cenários e clubes.
“Se o futebol for desenvolvido não apenas por jogadores com grande capacidade técnica, mas sobretudo por homens que tenham incutido em sua personalidade grandes qualidades humanas como o altruísmo, o espírito de sacrifício, a busca de superação e a disponibilidade, então o caminho para atingir nossos objetivos será menos tortuoso e nós também poderemos dizer que demos nossa pequena contribuição para que o futebol continue sendo o esporte mais bonito do mundo”, completa Ancelotti em sua tese, publicada há quase três décadas, em um tempo no qual imaginá-lo à frente do Brasil soaria como um delírio.