Não é de agora o orçamento do governo federal é uma pedra no sapato dos economistas. Mas o alarde ficou ainda maior desde terça-feira (15) com a apresentação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026.
Algumas das previsões da peça orçamentária são vistas como “otimistas demais” por economistas ouvidos pela CNN. Mas o que mais incomodou foi a projeção negativa do governo quanto às despesas discricionárias — aquelas não obrigatórias, em suma, os investimentos.
Sobram para estes gastos os recursos do orçamento que não são tomados pelas despesas obrigatórias (ligadas a benefícios; gastos previstos em Constituição, como os ligados à educação e saúde; e outros) ou pelas emendas parlamentares.
Para 2026, o PLDO prevê 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro (ou R$ 208,3 bilhões) em gastos livres, enquanto aponta 17,4% do PIB (ou R$ 2,385 trilhões) para obrigatórias.
Em 2029, a previsão é de que os gastos obrigatórios subam a R$ 2,838 trilhões, 16,8% em proporção do PIB. Na contramão, as despesas discricionárias devem cair praticamente R$ 200 bilhões, a R$ 8,9 bilhões, ficando em mísero 0,1% do PIB.
Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, apontou ao WW que “o déficit primário é só um pedacinho do problema”, com o juro real elevado do país pesando sobre o déficit nominal do país.
Tiago Sbardelotto, economista da XP, explica em nota que esse movimento ocorre porque, a partir de 2027, todos os gastos com precatórios — requisição do Judiciário para pagamento de dívidas do governo federal — devem ser incluídos nos gastos da meta, tomando espaço das despesas discricionárias, que caem 41,3%.
Na nota, o economista ressalta que, ainda fora do limite de gastos, as despesas com precatórios atingirão novo recorde. Em 2026, cerca de R$ 115,7 bilhões em sentenças judiciais e precatórios, dos quais R$ 55,1 bilhões fora da meta de resultado primário, levando o governo a atingir um déficit de quase 0,9% do PIB no próximo ano, de acordo estimativas da XP.
“Atingir um déficit zero em 2026 exigirá receitas adicionais. […] Para atingir o centro da meta de resultado primário, serão necessários quase R$ 110 bilhões adicionais em receitas”, escreve Sbardelotto.
“De maior importância, esse gargalo deve desencadear uma mudança no arcabouço fiscal após a eleição de 2026”, pontua.
Em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de abril, a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI) alerta que o arcabouço fiscal — regra para controlar o aumento dos gastos que foi estipulada pelo próprio governo Lula — não está sendo capaz de cumprir seu papel.
“As projeções de dívida indicam que o arcabouço fiscal como instrumento para efeito de estabilidade das contas públicas, no longo prazo, não tem sido muito eficaz”, afirmou ao CNN Money Alexandre Andrade, diretor da IFI.
O novo marco fiscal deu fim ao teto de gastos — regra adotada a partir do governo de Michel Temer. A partir de então, as despesas do governo podem crescer entre 0,6% – em períodos de retração – e 2,5% – em momentos de expansão – acima da receita do ano anterior e com valores corrigidos pela inflação.
Dentro da banda, os gastos poderão crescer até 70% da variação da receita do ano anterior.
A questão é que, ainda com a regra, os gastos obrigatórios seguiram em alta, num ritmo mais acelerado do que o permitido pelo arcabouço fiscal, de modo a tomar o espaço permitido pela regra.
Felipe Salto ressalta que a situação para 2025 “já está mais ou menos equacionada”, uma vez que o governo provavelmente cumprirá a meta de déficit fiscal zero, ainda que na banda inferior de tolerância.
O problema começa em 2026, quando o governo projeta um superávit fiscal de 0,25% do PIB e a Warren um déficit de 0,8%.
“O que o governo vai ter que fazer é mudar a meta fiscal, […] em agosto [quando apresenta o Orçamento] não vai escapar. Vai gerar ruído com o mercado, mas resolveu o mandato atual”, pontuou ao WW.
“Ajuste fiscal pra valer a partir de 2027, aí precisa de uma lista de medidas. Se não se comprometer com isso, esquece. Aí nao vai ter arcabouço, teto de gastos, a melhor regra do mundo que resolva esse problema”, concluiu o economista-chefe da Warren.